domingo, 29 de agosto de 2010

domingo, 22 de agosto de 2010

Resenha : A Origem

Existem certas experiências que, apesar de cobrirem um amplo espectro, sâo únicas: Assistir Muhammad Ali lutar na segunda metade da década de 60, ver Nadia Comaneci flutuar entre as barras, ouvir ao vivo um solo de David Morse. Não importa se você é um fã ou não; você está vendo um dos melhores do mundo fazendo o que sabe melhor, no auge. É talvez o momento em que chegamos mais perto do místico, fora baboseiras esotéricas feitas para pegar trouxas.

A Origem coloca o diretor Chritopher Nolan nesse patamar, com sobras. Talvez a afirmação de que ele dirigiu outros grandes filmes como 'O Grande Truque' e 'Cavaleiro das Trevas' apenas para ganhar experiência com o propósito de fazer este seja um blefe ou exagero, não sei. Mas a narrativa enxutíssima, a criatividade e a tensão dramática que ele gerou ao escrever e dirigir o filme dão razão ao boato.

Nolan conseguiu fazer um fime inteligentíssimo sem cair nas armadilhas que aleijam tantos filmes-cabeça. A Origem limpa a bunda com a série Matrix dos irmãos Wachowski no tocante a brincar com o conceito de realidade e sonho compartilhado. Esgotados os efeitos especias do primeiro filme, Matrix nunca passou de uma metáfora de Jesus Cristo mais fashion travestida com um película de filosofia oriental tão rasa que um piolho atravessara sem molhar as canelas.

Como nos clássicos Philip K. Dick, o escritor cujas obras mais são roubadas sem crédito por Hollywood, o universo ficcional de A Origem é quase idêntico ao nosso, exceto por um detalhe: é um mundo onde agentes treinados sabem entrar nos sonhos alheios, gerando um perigoso e próspero campo para espionagem industrial onde ladrões roubam ideias e projetos dos Steve Jobs da vida. Dom Cobbs (Leonardo Dicaprio, fazendo pós em filmes sobre conflito de realidade após Ilha do Medo) é um dos melhores do ramo, após uma tragédia pessoal acabar com sua carreira como arquiteto de sonhos. Para sua missão final que pode redimir sua vida e reuni-lo com sua família, ele embarca em uma última e perigosíssima missão de implantar uma idéia da mente de um magnata em vez de extrair informações.


O cenário permite ao diretor usar as camadas de sonho para brincar com os conceitos de realidade e consciência, e Nolan explora o recurso com maestria. Sempre que os personagens dormem dentro do sonho, eles afundam mais uma camada no subconsciente do alvo, mais instável e perigosa, onde o tempo se dilata e as apostas aumentam, com elementos do subconsciente de cada um 'vazando' para complicar as coisas.

Durante boa parte do filme, a narrativa acontece em três ou quatro planos simultâneos, correspondendo a níveis do sonho, em um ato de malabarismo cinematográfico realizado sem uma tremida ou escorregão sequer. É um filme de ação que não fica bobo (a cena de luta no hotel na qual a gravidade não fica 5 segundos apontando para o mesmo lado é brilhante) e um filme metafísico que não vira punheta existencialista.

Resumindo; largue o que você estiver fazendo, mesmo que seja um tratamento de canal, e vá assistir A Origem. O sucesso de filmes como esse não eleva apenas os criadores e elenco; mas sim a nós, o público. Em nossa época na qual os estúdios decidiram que a ferramenta para manter o público pagando nos cinemas se resume a óculos 3D, vale lembrar que cinema é sonho, e que os sonhos mais mirabolantes e criativos sempre levarão vantagem sobre truques de marketing.
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