terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Sistema é a Nova Crise

Na famosa obra de Stephen Sondheim Sweeney Todd, o jovem marinheiro Anthony suspira “Não há lugar como Londres!” quando vê a cidade pela primeira vez, deslumbrado com seu tamanho e riqueza. Meio segundo depois, o londrino Todd repete as mesmas palavras com um sentido totalmente diferente: para um connoiseur da ganância e do sofrimento humano, de fato Londres, o palco de todas suas desgraças, é um lugar ímpar.

A mesma reação vale para a “recuperação” do sistema financeiro. Os números das bolsas se recuperaram rapidamente após o crash, não devido a qualquer sanitização do mercado financeiro, mas por dois motivos: a monstruosa injeção de dinheiro público sem qualquer oversight ou exigências, e a certeza de que após a tempestade, as empresas e bancos restantes teriam ainda mais poder e menos rivais para manipular o mercado de ativos financeiros. Resumindo, apertou-se o botão de reset na crise. O sistema foi resgatado mas não reformado, e sua capacidade de gerar bolhas foi ampliada em vez de controlada.

Isto não é obra do acaso. Se o governo Bush estava abarrotado de lobistas da indústria petrolífera e de armamentos, a administração Obama tem registrado níveis recordes de presença de executivos de Wall Street. O power trio do controle da economia, formado for Timothy Geithner, Larry Summers e Henry Paulson veio diretamente da Goldman Sachs, uma das empresas-chave no agravamento da crise e , como não existe justiça no mundo, a que emerge dominante ao fim do terremoto, parcialmente graças ao serviço de seus (ex?) empregados no Fed e no governo.

Se existe uma recuperação, ela é inteiramente (e talvez propositalmente) divorciada da economia real. O nível de despreparo dos comentaristas econômicos, declarando o fim da crise assim que as Bolsas se recuperaram, seria hilário se não fosse apavorante. Resumindo: recebendo bilhões do governo a nada por cento de juros para investir nos fundos controlados pelo próprio setor, até eu, meu chapa. Agora, em cima de qual valor real ou produção estes ganhos estão sendo realizados é uma pergunta que apenas Chico Xavier pode responder, porque não se trata de nada deste mundo. Talvez do próximo.

Não que se possa culpar as agências financeiras por apostar neste possível mundo fictício: o real não dá muitos motivos para otimismo. Com sua base industrial esvaziada, níveis de desemprego de fazer inveja ao Brasil, endividamento privado estratosférico e milhões de hipotecas vencidas no setor imobiliário, além de uma infra-estrutura ruindo após décadas sem investimento, os Estados Unidos não oferecem as margens de lucro vultosas e rápidas que o vício de Wall Street exige.

De fato, o único ganho e real, e não menos cruel por causa disso, é a imensa apropriação imobiliária a ser realizada pelo setor financeiro coma execução de hipotecas. Uma década atrás, o próprio Alan Greenspan aconselhou a população a “utilizar a equidade de suas residências” para investir. Ou seja, hipotecar suas casas, cujo valor estava em alta, para obter dinheiro para investimentos ou mesmo viagens e consumo imediato. Era uma aposta duplamente irresponsável, pois implicava em acreditar que o valor dos imóveis subiria eternamente.

Após o estouro da bolha, com o valor dos imóveis no ralo e as hipotecas tornando-se impagáveis, milhões destas casas estão sendo e serão repossuídas pelas mesmas instituições que inflaram a bolha. Isso só não está acontecendo com maior rapidez porque as agências fracionaram e repassaram tantas vezes as hipotecas e títulos de dívida que nem elas sabem exatamente quem é dono de qual título. Mas elas se acertam em breve; são craques nisso.

Não há lugar como Wall Street!

Não há lugar como Wall Street.

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