quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A Tediosa Aventura Espírita

Quarta feira. Atendendo a meses de pedidos maternos insistentes, resolvo ir no centro espírita no qiarteirão ao lado. Minha mãe acredita que meu ex-sócio, que me garfou a editora que abri após sair da faculdade, também me colocou uma maldição ou mau-olhado por meio de um amigo pai-de-santo, e que isso é o que tem impedido minha ascensão pessoal a níveis Stevejobianos. Fim de tarde, um tempinho livre, por que não?

Chegando no local, muita gente de meia-idade, educada. Falo com a mulher no balcão pedindo 'orientação fraterna', segundo instruções maternas. Sou avisado que devo ser atendido às 19 horas. São 16:45.

Espera de duas horas já é um porre, mas exposto à musica do lugar o tempo equivale a umas três semanas. Acho que vi o ponteiro do relógio na parede andar pra trás só pra me foder: música de órgão com reverb no máximo para dar aquela acústica de catedral, consistindo de segurar uma nota de cada vez por 15 segundos cada.

Na falta total do que fazer, entrei na livraria local, que ocupa metade do salão de entrada. A maioria são livretos de 80 páginas, o que faz os preços de R$ 25 pra cima meio salgados. Tudo que é do Chico Xavier é mais caro, não importa o tamanho. Escrever 400 livros quando a maioria tem a espessura de um biscoito, até eu. Alguns destaques:

-Vencendo as Drogas: Atrás da capa benigna, revelações espantosas; a Aids é um presente divino pra impedir que as pessoas trepem e injetem de maneira desenfreada. E para punir hemofílicos e esposas de maridos infiéis, imagino. Além disso, o livro alerta para pessoas convidando para "noitadas" em "repúblicas estudandis", assim mesmo, com aspas.

-Pinga Fogo: Do guru máximo Chico Xavier. Impressiona pelo tom calmo com o qual diz barbaridades. Crianças que nascem doesntes ou com deficiência foram pecadoras em vidas passadas, e as deficiências tem a ver com seus pecados. Nasceu cego? Pecou com a vista. Nasceu com micropênis? Você matou mulheres com sua trolha descomunal em outra existência. Além disso, pobres foram ricos no passado e estão pagando pelo mau uso de seus bens. O que quer dizer que uma geração atrás havia 5 bilhões de milionários cuzões, que são os miseráveis atuais, e o ciclo vai se alternando. Todos os gráficos econômicos de longo prazo deviam ser em forma de montanha-russa.

-Ele Sabia! : Talves o mais nauseante dos que eu folheei, conta a história )baseada em 'fatos reais', claor) de uma criança de 6 anos cujo passatempo é dar lições de moral, na forma de discursos Fidelcastrianos de diversas páginas, para a sua mãe , que possui a desenvoltura mental de um hamster. Quando o pirralho adoece com uma doença incurável, fica mais feliz do que nunca, dizendo para todos que está indo para um mundo perfeito onde vai ser 1000 vezes mais saudável.

-Perguntas e respostas: Outro de Chico Xavier. Eutanásia é um crime porque precisamos sofrer até o fim para cumprir nossos desígnios sagrados e evoluir. Pela mesma lógica, aspirina e anestesia deveriam ser proibidos ou ao menos evitados pelos fiéis. Tragpedias e doenças são dádivas divinas que nos dão chance de perder nossas obsessões terrenas. Me ocorre que esse tipo de pensamento é pior que o de um escravo: tudo que acontece de bom é presente do seu superior, e tudo de ruim é culpa sua e é o que você merece. Exceto que o escravo pelo menos sabe quando está levando chibata e não finge estar ganhando cafunés.

No quesito de marketing setorial os livros espíritas estão com tudo: "Espiritismo para Militares", "Espiritismo para Hippies", "Espiritismo para Motoqueiros" (!) e por aí foi. apesar da reencarnação ser o quente da dourina, parece que todo autor tem um espírito que nunca reencarna: Lucius, Emmanuel, Irmão X, André Luis ficam eternamente no Além, ditando literatura para seus parceiros encarnados converterem motoqueiros e bichos-grilos, sem pressa de entrar em um útero e fazer mais um tour pelo mundo físico.


"...desde que você seja branco"

Seis meses depois (acho), finalmente sou chamado para minha orientação. Uma senhora sorridente e simpática me senta em uma sala separada, pergunta sobre minha vida, meu estado de espírito, coisa e ta. Respondo o que eu faço, minha história condensada desde o colegial, sabe como é, meio insatisfeito, tentando achar um caminho melhor.

Ela começa com elogios: "Mas você me parece muito sereno, muito seguro, inteligente, com boa cabeça. Até o fato de vir aqui mostra que você indentifica bem as coisas..."

Falo sobre o tal do 'serviço' que a minha mãe teme tenham encomendado para mim. "Isso geralmente não pega, mas o magnetismo ruim pode te afetar se você estiver vulnerável."

De repente, o jogo vira: "Estou vendo que você está meio desmotivado, insatisfeito, sem ter certeza do seu caminho". De fato ela está vendo isso, já que foi o que EU DISSE PARA ELA quatro minutos atrás. Ela recomenda uns cinco livros, todos à venda no andar de cima, e voltar para oito sessões, cada uma incluindo três palestras de vinte minutos cada e passes para 'doação de fluidos magnéticos'.

Nessa hora, minha boa vontade gastou. Estava lá havia três horas, duas das quais lendo subliteratura e pseudo-ciência. Disse que ia ver, agracedi e me despedi.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Amigo é Coisa pra se Perder

A primeira vez que tive que encarar, na real, que as coisas terminam e não voltam foi com um amigo de faculdade. Mais novo que eu, falante, popular. No domingo, estava na minha mesa de RPG (ele era popular obastante para ser nerd sem sofrer abalos de imagem). Na terça, estava morto, levado por uma infecção oportunista tão súbita quanto devastadora. O que me acordou (e me ensinou) não foi o choque, o velório, o caixão aberto. Na semana anterior, eu havia emprestado a ele um jogo de computador (pirata, comprado no infame e saudoso Stand Center da Avenida Paulista). Ao acordar no dia seguinte e ligar o meu PC, vi o ícone na área de trabalho e imediatamente pensei se ele tinha gostado ou não do jogo. Perceber que meu amigo nunca mais teria experiência ou opinião sobre nada, nunca mais, me atingiu com uma violência que até hoje, anos depois, faz meu pescoço formigar.

Isso é a morte, o fim, épico e banal na mesma medida: não ter mais amores nem coceiras, dores nem bocejos, ideias ou gripe. Mas a morte é ao menos natural. Aliás, não é não. Existe algo na entropia e na morte que é estranho e alienígena, mas isso fica para depois. A morte é...democrática. Temos ao menos a certeza que ela virá tanto para a nossa cara-metade quanto para aquele FDP virulento do serviço.

No fim, a única certeza é que todos à nossa volta passarão. Alguns levados pela morte, outros pela vida. Muitas vezes, são justamente as qualidades que fazem deles pessoas brilhantes que farão com que o mundo os leve para outras paragens . É egoísmo nosso, querer conservá-los, tê-los para sempre. Mas é também inevitável; sem eles, sobra pouco que faça de nós...nós.

Se é para pensar no que define uma pessoa, amigos é a melhor resposta que eu posso dar? Grana? Imprimem mais todos dia. Posses? Podem ser de alguém mais com uma simples transação. Filhos? Sem laços de empatia e afeto, não querem dizer muito: qualquer casal de mamíferos com o encanamento em ordem pode fazer crias às dúzias. Amigos de verdade, no entanto...

Apesar disso, a amizade é um coringa na nossa escala social de valores. Comemoramos aniversários de namoro e casamento, mas os amigos ficam sempre com um histórico nebuloso. Podemos chorar publicamente perder um emprego ou uma namorada, mas romper com um amigo e ficar mal é visto como um capricho hormonal reservado para adolescentes.

Amigos são a melhor prova que o mundo nos devolve de que existe algo em nós digno de admiração e respeito. Passar os genes adiante é um processo biológico. Passar você adiante, os seus valores, piadas, medos e gostos, pequenas humilhações e grandes triunfos, é um desafio. Não é a toa que tantos se deprimem e piram por não saberem se tem amigos de fato. Ou por saberem, com uma certeza apavorante, que não tem ninguém que se encaixe nessa descrição.

Por essas e todas as outras...obrigado, caras. Espero ter todos vocês por muito tempo ainda, mas na verdade, não importa. Vocês (que sabem quem são), como aqueles que já saíram da minha história por um motivo ou outro, já cumpriram sua parte. Foi um prazer e uma honra...até quando foi uma merda. Aliás, especialmente nestas horas.

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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Matupá: Massacre esquecido

Feitos 20 anos de um dos linchamentos mais brutais do país, ninguém pagou por anda e a nossa cultura segue pelo mesmo caminho.

AVISO: cenas fortíssimas nos vídeos abaixo.




sexta-feira, 27 de maio de 2011

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Uma Confissão

Hora de lembrar fatos desagradáveis.

No pós-furor do terrível massacre escolar do Realengo, depois do choque, da raiva, e da angústia, um sentimento sobrou depois dos demais.

Alívio.

Mais estranho ainda, um alívio duplo. Primeiro, porque, com um pouco menos de sorte e algumas decisões diferentes, poderia ter sido eu cometendo uma sandice desse calibre, anos atrás. Em segundo lugar, porque novamente com um pouco de azar, eu poderia ter criado um ou mais assassinos escolares.

Eu já vi essa nuvem por cima e por baixo. Já fui vítima de bullying. Já fui o bully também, transformando a vida de alguns pobres coitados em um inferno.

Essa transição não é incomum. A melhor forma de subir degraus na escada social é achar um alvo mais tentador do que nós mesmos e expô-lo ao ridículo diante dos colegas. Esse princípio também vale bem longe das salas de aula, em muitos locais de trabalho. O ser humano é uma merda.

Não vou dizer o que faziam comigo, até para não dar idéias para os sádicos da geração atual. De certa maneira, os detalhes não importam; a exclusão é geralmente pior do que as crueldades em si.

Para o bully e sua galera, a diversão dura aquele momento e o reforço de confiança , um pouco mais. Para vítima, é um ciclo sem fim. Para cada indignidade real que o bully causa, o coitado vai infligir dez outras em si mesmo, revivendo cada evento vergonhoso múltiplas vezes. Geralmente em silêncio, pois admitir esse nível de fracasso social seria uma humilhação ainda mais suprema.

Nas savanas da África, às vezes os rebanhos de zebras deliberadamente excluem uma do grupo, sem motivos aparente. Talvez ela tenha o cheiro errado, algum tique estranho. Seja o que for, ela é alienada pelas demais, e geralmente morta a coices com uma violência tão completa como casual. Será que era o meu caso?pensava eu. Talvez o problema não fosse que os valentões fossem canalhas sádicos, mas sim que eu fosse de alguma forma errado, um produto defeituoso que os outros tinham razão em rejeitar. Essa dúvida, em si, doía pior que qualquer crueldade direta, e durava muito, muito mais.

Ajuda dos pais? Nem pensar. Eu teria morrido, fisicamente morrido, antes de admitir para meu pai que o seu filho era motivo de risada. Teria pulado, sorrindo, dentro de uma turbina de Itaipu. Usado arame farpado como fio dental. Ouvido 20 minutos de um CD do Restart.

A adolescência é justamente quando começamos a contestar os laços coma família e tentamos formar relações duradouras fora de casa. Ter que engatar a ré após um fracasso é voltar à infância, da forma mais infeliz possível.

Como já disse, eu tive sorte. Consegui fazer uma triangulação, ficando amigo de amigos dos bullies e conquistando um pouco de paz. Mas a coisa não acabou aí.

Ao ver-me modestamente popular, não tive a decência de deixar os menos afortunados sossegados. Nunca cheguei a bater em ninguém, mas acredito que os alvos dos meus insultos talvez preferissem ter levado socos e pontapés. E eu não era um dos piores nesse sentido. Era impressionante na época, e ainda me choca hoje, o nível de frieza e sofisticação dos ataques. Não era incomum que algum dos garotos mais solitários e excluídos fosse (falsamente) convidado e entrar em um grupo, achando finalmente ter feito amigos, para ser em seguida traído e exposto como um otário na frente de toda as pessoas que, na época, eram o seu mundo todo fora de casa.

Lembro especialmente de uma ocasião, na qual um dos ‘cristos’ sofredores de uma das salas do colégio aproximou-se do meu círculo de amigos; tinha comprado um vídeo-game igual ao que nós jogávamos, e estava (obviamente, tristemente) esperançoso de que isso fosse uma ponte para ser aceito. Meu amigo fuzilou-o verbalmente com uma finesse impecável, uma delivery irônica de fazer inveja ao Rafinha Bastos: “Muito legal. Agora você tem algo para jogar com seus amigos imaginários.” Dupla crueldade, lembrando o infeliz do próprio status de perdedor (sem losers, como seríamos winners?) ao mesmo tempo em que o rejeitava. Na hora, quase parti uma costela rindo, mas depois esse incidente foi uma das coisas que me fizeram parar. Infelizmente, não foi só altruísmo. Com um círculo firme de amigos e mais confiança, vi que não precisava mais usar os outros como escada.

Quantos deles não devem ter sonhado em passar a mão em uma arma e eliminar os bastardos-mirins imperdoáveis que estavam lá, onipresentes, quatro horas por dia, cinco dias por semana. Muitas vezes ao longo de anos e anos transformando o cotidiano em um pesadelo? Certamente eu, enquanto vítima. Nunca cheguei ao ponto da violência, felizmente, mas nos piores momentos, se eu pudesse apenas ter acionado um botão, como quem apaga um arquivo de computador, e feito os bullies sumirem da face da Terra, eu teria quebrado o dedo apertando-o.

Bate com freqüência uma vontade de rastrear minhas antigas vítimas, conversar, pedir desculpas. Não sei até que ponto danifiquei suas vidas. Por diversas razões, nunca dei o primeiro passo. Talvez por vergonha. Mas principalmente, porque tenho medo de que, caso peça desculpas, elas me perdoem.

E o que eu fiz, e tantos outros fizeram e fazem, não merece essa cortesia.
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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Bolsonaro é o Futuro

Ou pelo menos parte do futuro. É inevitável.

Foi assim nos EUA. Após 20 anos de progresso no pós Segunda Guerra que viram o nascimento de um país de classe média e finalmente uma sociedade sem apartheids legalmente definidos, o rancor da massa conservadora, que sempre foi a verdadeira dona do país em suas fantasias, embora não na realidade (mas o poder da fantasia política nunca pode ser subestimado) passou a ser uma cultura em si. Que Nixon explorou com uma maestria faustiana.

De repente, os racistas do Sul não eram mais caipiras ultrapassados: eram gente honesta querendo respeito a suas tradições. Não eram a favor do apartheid, apenas não queriam o poder federal lhes dizendo como viver. A culpa era dos outros, se intrometendo em suas vidas.

Servir esse rancor passou a ser uma vertente política muito bem sucedida. É fácil agradar alguém quando tudo que se pede é que você odeie as mesma pessoas que ele. Quando se divide uma sociedade em dois, vale tudo para não perder para o outro. Não importa se o seu candidato é pilantra, se não cumpriu promessas, se tem programas que são ativamente nocivos ao seu interesse. Escolher o outro é impensável, uma traição de classe.

Quer reclamar? Então você é um dos arautos do Politicamente Correto, essa censura broxa que serve apenas para legitimar seus oponentes, uma curiosa Gestapo sem armas, cachorros, cassetetes ou apito.

A alcunha de 'politicamente correto' já nasceu como uma maldição. Nunca foi usada de forma positiva, e desde a hora zero ser 'politicamente incorreto' era a ordem do dia. Nunca foi tão fácil ser rebelde sem arriscar nada, já que o alvo por definição está em outra camada social, outra cor, outro país...enfim, outro.

Arranhe a casca de um suposto herói esbravejando contra o politicamente correto e você encontrará um cuzão se fazendo de vítima. Sim, ele pode estar negando a dignidade e/ou identidade alheia, mas ele é o oprimido. Nas sábias palavras de Homer Simpson, "Por que ninguém tolera a minha intolerância?"

Esse é o apelo de Bolsonaro e afins: ele redime as nossas cuzices e às transforma em pequenos triunfos morais: Aquele moleque meio afeminado que você humilhou na oitava série? Ele merecia. Você fez um favor a ele e à sociedade ao maltratá-lo. Destratou um negro ou um nordestino em uma briga besta no estacionamento ou na fila do mercado? Ele provavelmente tem uma família de parasitas em algum lugar, torrando Bolsa Família às suas custas.

"Ética não é ensinar alguém a ser bom. É a forma de ajudar boas pessoas a fazer boas escolhas quando a escolha ideal não é clara." -Simon Blackburn
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sexta-feira, 11 de março de 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

Resenha: Cisne Negro

Normalmente só se fala dos aspectos técnicos de um filme quando nada mais presta: "O filme é uma merda, mas a fotografia é interessante...". No caso do último do Aronofsky, apesar do filme não ser tecnicamente ruim, os melhores aspectos tendem a ser os mais sutis, que não saltam aos olhos imediatamente.

First things first: é um filme pateticamente previsível. No momento em que a bailarina Nina (Natalie Portman) entra no escritório do seu diretor (que é, um um triunfo de originalidade, francês e cuzão!) e ouve que é certinha e pura demais para fazer o papel do cisne negro em 'O Lago dos Cisnes', os próximos 90 minutos já estavam traçados: vamos vê-la ser progressivamente consumida pelo próprio lado egoísta e lascivo até ser consumida por ele. Meu chapa Tarso chamou a trama de "Clube da Luta, versão para mulheres", e é uma definição boa, embora este filme nãoi chegue nem perto da análise do papel social de um dos sexos que vimos em Clube da Luta. Se eu fosse uma pessoa desconfiada, apontaria também que a trama é quase xerocada da animação cult Perfect Blue (um thriller excelente sobre uma atriz que descobre um blog online assinado com seu nome, detalhado demais para não ter sido escrito por ela própria).

Embora eu tenha acabado de elogiar a sutileza do filme, ela é alternada com momentos em que a audiência é claramente subestimada. Mais de uma vez, é possível perceber cenas e situações em que alguém na tela não está falando como personagem mas sim explicando algo diretamente ao público, como se fôssemos babacas. Não é um problema grave (já que 70% das audiências geralmente são babacas), mas bate com o ritmo da narrativa.

Eu normalmente gosto de Natalie Portman, mas apesar do Oscar que faturou com esse papel, ela errou, sim, a mão nessa interpretação. Ela tem talento de sobra para passar uma imagem reprimida e insegura sem ter que manter a cara de constipação crônica que ela usa durante quase todo o filme. Pode checar: em duas de cada três tomadas, ela tem a expressão de quem acabou de ver um obeso mórbido pelado, ou talvez de alguém que foi estapeada com um atum. A mensagem já havia sido passada pelo tom de voz, pelo quarto infantilizado, pelas unhas cortadas rente pela mãe, filhota. Não precisa andar por aí sempre como quem acabou de ver um mendigo sodomizar o seu poodle de estimação.

Noves fora, existe muito o que se gostar em Cisne Negro. O ritmo da narrativa acumula tensão de uma forma excelente, os elementos visuais (especialmente os truques com espelhos e as tomadas fechadas) batem bem e a trilha sonora faz o seu trabalho adimiravelmente, especialmente quando se considera que em boa parte da história a trilha é ouvida não só por nós mas pelo personagem durante a cena (para a alegria dos meta-linguísticos). Muitos dos sustos e choques funcionam e se acumulam para gerar uma ansiedade que raramente é produzida por um filme com tanto controle e eficiência. Quando a cenas confiam nos personagens e os deixam respirar, os atores mandam bem, transmitindo muito com pouco (os flashes de Nina em sua versão Sith são maravilhosamente intensos). E para o publico feminino, que geralmente teve sua fase de aulas de balé, os ganchos emocionais são compreensivelmente mais profundos.

Mas voltando ao básico, a principal falha do filme foi não confiar nos seus próprios pontos fortes. Caso em ponta: o uso de CGI. Exagerado, e para que? Portman tem presença de tela. Ela sabe passar seu estado de espírito em um segundo de silêncio. Não era necessário colocar flashes da pele dela tendo urticárias digitais (em tempo: que efeito especial ruim!) nem transformá-la em uma galinha preta de CG. Se fosse Keanu Reeves, eu entenderia: mesmo se ele usasse uma camiseta descrevendo seu atual status emocional, fosse convertido em um demônio através de CG e carregasse uma placa dizendo "Agora eu sou do mal", eu ainda teria dúvidas sobre o sentimento que ele estaria tentando projetar. Mas Portman? Poderiam ter guardado os US$ 5 milhões dos efeitos e confiado nela.

Nota sete.
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Não Valeu a Pena

Hoje morreu Frank Buckles, o último veterano do ocidente que participou da Primeira Guerra Mundial. Viveu até os 110 anos, certamente muito mais do que o próprio imaginou completar durante sua participação no conflito.

Embora Hollywood prefira lembrar a Segunda Guerra, por diversos motivos (vilões claros, batalhas mais movimentadas, propósito claro), a Primeira foi, sim, mais importante. Ela aniquilou o mundo que exisita antes de 1914 completamente. A Segunda guerra apenas confirmou o status global gerado pela anterior, a um preço temível.

A Primeira Guerra também tem mais lições, que estão sendo perdidas na medida em que seus veteranos se vão. Para nós (pós) pós-modernos, o conceito de milhões de jovens marchando voluntariamente para trincheiras repletas de morte, tifo e loucura por motivos totalmente nebulosos parece sandice. E não foram só eles. Na Inglaterra, mulheres davam penas brancas para os homens abaixo de 40 anos que não estivessem de uniforme, como forma de constrangê-los ao alistamento. A sociedade inteira estava culturalmente unida com o propósito de atirar sua juventude no abatedouro, em nome de antiga rivalidades étnicas, orgulhos nacionalistas caducos, um quintal maior para o Kaiser ou a Terceira República.

Quando falamos em termos dos jovens de ontem versus os de hoje, o tom geralmente favorece nosso avós e bisavós, que trabalhavam mais, viviam melhor, tinham casamentos mais sólidos, iam para a escola a pé encarando neve e ladeiras na ida e na volta, etc. Em certa parte isso é verdade, mas existe também um certo nível de idealização do passado e das gerações antigas torcendo o braço para dar tapinhas nas próprias costas.

Nesse quesito, no entanto, nossa geração leva a vantagem. Podemos ser fúteis, emos, twitteiros, mas não somos ovelhas. Acredit que se amanhã o país fosse invadido, não faltariam voluntários para defendê-lo. Mas se o governo anunciasse que por quaisquer cargas d'água 400 mil de nós teriam que ir morrer invadindo a Argentina ou o Irã, os poucos que participariam iriam por dever (por já estarem alsitados) ou por ambição. Somos cínicos na hora de gastar nossas vidas, e isso não é um defeito.

Meu bisavô lutou na Primeira Guerra. Como todo italiano qe se preze, foi um desastre como soldado; foi capturado pelos alemães quando sua unidade de artilharia foi flanqueada (as tropas que deviam protegê-lo contaram quantas pernas tinham e fugiram usando todas). Passou o resto do conflito em um gélido campo-prisão, sendo comido vivo por pulgas e percevejos e vendo os amigos morrerem de pneumonia. Quando contava histórias de guerra ao resto da família, geralmente falava de casos engraçados. Talvez exagerasse sua patetice. Com certeza era melhor do que falar de meses a fio debaixo da terra, sem nem ver o inimigo mas sendo explodido por atilharia, cruzando arame farpado na mira de metralhadoras para ganhar terreno sem importância que seria perdido na semana seguinte.

E por que ees lutaram? Liberdade? quase todos osregimes da época não seriam considerados democracias atualmente. Contra algum pré-Hitler? Nenhum do beligerantes era perceptivelmente mais hegemônico ou desumano que os demais. Pelos seus países? Nenhum estava em perigo existencial por nenhum motivo que não fosse a própria guerra.

Meu bisavô talvez tenha definido da melhor forma, falando com meu pai: "Não sei por que foi que lutamos. Mas sei que, o que que que tenha sido, não valeu a pena."
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Resenha: Além da Vida

Filmes como o último de Clint Eastwood não acontecem simplesmente assim, sem motivo. Eles precisam de um gatilho, uma desculpa. Imagino que tenha acontecido assim:

Médico: O resultado do seu exame chegou do laboratório, Sr. Eastwood.

Clint Eastwood: (rugindo) Sem rodeios, doutor. Pode falar.

Médico: Bem... você vai poder conversar com o seu velho amigo Sergio Leone em pessoa sobre direção de filmes, antes do que imagina.

Clint Eastwood: (entre dentes) Como assim?

Médico: Hmmm. Digamos que você deve saborear muito bem seu próximo bolo de aniversário.

Clint Eastwood: (grunhindo) Ah. Bom, hora de fazer um filme bem sacarina sobre vida após a morte pra me acostumar com a idéia, então.

Não que a culpa seja toda do velho Clint, que já calou minha boca com competência inaudita em seus esforços diretoriais de Sobre Meninos e Lobos em diante. Mas se o roteiro deixava tanto a desejar, ele devia ter batido o pé e exigido um pouco mais de complexidade e tensão dramática. O fato dele não ter feito isso indica que algo nessa gosma água-com-açúcar calou fundo no velho cowboy*.

O filme trata de três histórias: um vidente espírita tentando esconder seu dom para levar uma vida normal, uma jornalista francesa desconectada com a realidade após uma experiência de quase-morte e um pirralho inglês sorumbático após a morte do irmão gêmeo. A distância geográfica entre os personagens já indica que uma coincidência bem forçada será usada para juntar todas as pontas da narrativa, e de fato isso é o que acontece.

Até aí nada contra: cinema é a arte do exótico e do inesperado, desde que levemente verossímil. Mas o irritante aqui é que as coincidências ocorrem a serviço de uma narrativa que é quase banal. São duas horas previsíveis, lentas. A única história com alguma ressonância é a do vidente George (Matt Damon), que realmente parece não ter vida que não seja ligada à morte.

O moleque Marcus e seus problemas parecem recém-saídos de um dramalhão de quinta à tarde no Warner Channel. Mãe solteira e drogada, assistentes sociais prestes a separar os pimpolhos da mãe-Winehouse. Assim que os gêmeos aparecem na tela, dá quase para ver uma seta com as palavras "About to Die" na cabeça de um deles, como naquele fliperama antigo (Vendetta?). Quando um deles é removido da lista dos viventes, o restante não conesgue aceitar a perda e começa a buscar formas de contatar o outro.

Já a história de Lelay combina banalidade e apelação em um perfeito equilíbrio idiota. Solteira, famosa, cavalgando um produtor de sua emissora nas horas vagas, ela é pega pelo Tsunami do Sudeste Asiático e tem visões do além vida, onde tudo é branco como uma loja da Apple e difuso como uma visita ao oculista para ter a fisão dilatada. essa 'revelação' menos extraordinária que um paredão do BBB a faz questionar sua vida, e aparentemente o resto da França, bastardos seculares e socialistas, não conseguem aceitar que ela largue todos seus compromissos e projetos para balbulciar platitudes espíritas. Monstros insensíveis! Felizmente, existe um mercado bem maior para xamanismo genérico em língua inglesa, e essa e a rota que ela escolhe.

Isso não é um resumo: é praticamente o filme todo. O trio vaga por aí, quebrando a cara e suspirando, até uma reunião forçada que 'resolve' tudo. O que exatamente é resolvido não está claro, pois a tensão dramática é quase inexistente. O máximo que é realizado é o fato de que talvez Matt Damon não terá que viver eternamente na punheta por medo de canalizar espíritos durante um 69. O diretor ficou devendo pelo menos um além-vida interessante, ou desafiador, além de uma narrativa mais compacta: o filme de duas horas caberia facilmente em 90 minutos.

Além da Vida oferece duas idéias:

1-) Existe um pós-vida. Genérico e indefinido.
2-) Isso é uma coisa boa.

Não são exatamente revelações bombásticas. E com o filme não trata de perda e aceitação da perda de entes queridos (e de nós próprios; eu sou um ente muito querido de mim mesmo, afinal) além da busca do pós-morte, fica apenas a água-com-açúcar.

Além da Vida é o equivalente cinematográfico de pegar na mão de alguem que perdeu um parente e dizer "Tudo vai ficar bem"; uma afirmação desinformada e vaga, mas feita com boas intenções. A diferença é qee esta custa 20 pilas e 122 minutos.

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* = Ironicamente, Clint não fez papel de cowboy no primeiro filme que vi com ele, mas sim um soldado aliado capaz de esvicerar divisões inteiras de nazistas no thriller de guerra Desafio da Águias, seu primeiro grande papel (e inspiração do clássico Where Eagles Dare, do Iron Maiden).