segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Resenha: Além da Vida

Filmes como o último de Clint Eastwood não acontecem simplesmente assim, sem motivo. Eles precisam de um gatilho, uma desculpa. Imagino que tenha acontecido assim:

Médico: O resultado do seu exame chegou do laboratório, Sr. Eastwood.

Clint Eastwood: (rugindo) Sem rodeios, doutor. Pode falar.

Médico: Bem... você vai poder conversar com o seu velho amigo Sergio Leone em pessoa sobre direção de filmes, antes do que imagina.

Clint Eastwood: (entre dentes) Como assim?

Médico: Hmmm. Digamos que você deve saborear muito bem seu próximo bolo de aniversário.

Clint Eastwood: (grunhindo) Ah. Bom, hora de fazer um filme bem sacarina sobre vida após a morte pra me acostumar com a idéia, então.

Não que a culpa seja toda do velho Clint, que já calou minha boca com competência inaudita em seus esforços diretoriais de Sobre Meninos e Lobos em diante. Mas se o roteiro deixava tanto a desejar, ele devia ter batido o pé e exigido um pouco mais de complexidade e tensão dramática. O fato dele não ter feito isso indica que algo nessa gosma água-com-açúcar calou fundo no velho cowboy*.

O filme trata de três histórias: um vidente espírita tentando esconder seu dom para levar uma vida normal, uma jornalista francesa desconectada com a realidade após uma experiência de quase-morte e um pirralho inglês sorumbático após a morte do irmão gêmeo. A distância geográfica entre os personagens já indica que uma coincidência bem forçada será usada para juntar todas as pontas da narrativa, e de fato isso é o que acontece.

Até aí nada contra: cinema é a arte do exótico e do inesperado, desde que levemente verossímil. Mas o irritante aqui é que as coincidências ocorrem a serviço de uma narrativa que é quase banal. São duas horas previsíveis, lentas. A única história com alguma ressonância é a do vidente George (Matt Damon), que realmente parece não ter vida que não seja ligada à morte.

O moleque Marcus e seus problemas parecem recém-saídos de um dramalhão de quinta à tarde no Warner Channel. Mãe solteira e drogada, assistentes sociais prestes a separar os pimpolhos da mãe-Winehouse. Assim que os gêmeos aparecem na tela, dá quase para ver uma seta com as palavras "About to Die" na cabeça de um deles, como naquele fliperama antigo (Vendetta?). Quando um deles é removido da lista dos viventes, o restante não conesgue aceitar a perda e começa a buscar formas de contatar o outro.

Já a história de Lelay combina banalidade e apelação em um perfeito equilíbrio idiota. Solteira, famosa, cavalgando um produtor de sua emissora nas horas vagas, ela é pega pelo Tsunami do Sudeste Asiático e tem visões do além vida, onde tudo é branco como uma loja da Apple e difuso como uma visita ao oculista para ter a fisão dilatada. essa 'revelação' menos extraordinária que um paredão do BBB a faz questionar sua vida, e aparentemente o resto da França, bastardos seculares e socialistas, não conseguem aceitar que ela largue todos seus compromissos e projetos para balbulciar platitudes espíritas. Monstros insensíveis! Felizmente, existe um mercado bem maior para xamanismo genérico em língua inglesa, e essa e a rota que ela escolhe.

Isso não é um resumo: é praticamente o filme todo. O trio vaga por aí, quebrando a cara e suspirando, até uma reunião forçada que 'resolve' tudo. O que exatamente é resolvido não está claro, pois a tensão dramática é quase inexistente. O máximo que é realizado é o fato de que talvez Matt Damon não terá que viver eternamente na punheta por medo de canalizar espíritos durante um 69. O diretor ficou devendo pelo menos um além-vida interessante, ou desafiador, além de uma narrativa mais compacta: o filme de duas horas caberia facilmente em 90 minutos.

Além da Vida oferece duas idéias:

1-) Existe um pós-vida. Genérico e indefinido.
2-) Isso é uma coisa boa.

Não são exatamente revelações bombásticas. E com o filme não trata de perda e aceitação da perda de entes queridos (e de nós próprios; eu sou um ente muito querido de mim mesmo, afinal) além da busca do pós-morte, fica apenas a água-com-açúcar.

Além da Vida é o equivalente cinematográfico de pegar na mão de alguem que perdeu um parente e dizer "Tudo vai ficar bem"; uma afirmação desinformada e vaga, mas feita com boas intenções. A diferença é qee esta custa 20 pilas e 122 minutos.

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* = Ironicamente, Clint não fez papel de cowboy no primeiro filme que vi com ele, mas sim um soldado aliado capaz de esvicerar divisões inteiras de nazistas no thriller de guerra Desafio da Águias, seu primeiro grande papel (e inspiração do clássico Where Eagles Dare, do Iron Maiden).