sexta-feira, 11 de março de 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

Resenha: Cisne Negro

Normalmente só se fala dos aspectos técnicos de um filme quando nada mais presta: "O filme é uma merda, mas a fotografia é interessante...". No caso do último do Aronofsky, apesar do filme não ser tecnicamente ruim, os melhores aspectos tendem a ser os mais sutis, que não saltam aos olhos imediatamente.

First things first: é um filme pateticamente previsível. No momento em que a bailarina Nina (Natalie Portman) entra no escritório do seu diretor (que é, um um triunfo de originalidade, francês e cuzão!) e ouve que é certinha e pura demais para fazer o papel do cisne negro em 'O Lago dos Cisnes', os próximos 90 minutos já estavam traçados: vamos vê-la ser progressivamente consumida pelo próprio lado egoísta e lascivo até ser consumida por ele. Meu chapa Tarso chamou a trama de "Clube da Luta, versão para mulheres", e é uma definição boa, embora este filme nãoi chegue nem perto da análise do papel social de um dos sexos que vimos em Clube da Luta. Se eu fosse uma pessoa desconfiada, apontaria também que a trama é quase xerocada da animação cult Perfect Blue (um thriller excelente sobre uma atriz que descobre um blog online assinado com seu nome, detalhado demais para não ter sido escrito por ela própria).

Embora eu tenha acabado de elogiar a sutileza do filme, ela é alternada com momentos em que a audiência é claramente subestimada. Mais de uma vez, é possível perceber cenas e situações em que alguém na tela não está falando como personagem mas sim explicando algo diretamente ao público, como se fôssemos babacas. Não é um problema grave (já que 70% das audiências geralmente são babacas), mas bate com o ritmo da narrativa.

Eu normalmente gosto de Natalie Portman, mas apesar do Oscar que faturou com esse papel, ela errou, sim, a mão nessa interpretação. Ela tem talento de sobra para passar uma imagem reprimida e insegura sem ter que manter a cara de constipação crônica que ela usa durante quase todo o filme. Pode checar: em duas de cada três tomadas, ela tem a expressão de quem acabou de ver um obeso mórbido pelado, ou talvez de alguém que foi estapeada com um atum. A mensagem já havia sido passada pelo tom de voz, pelo quarto infantilizado, pelas unhas cortadas rente pela mãe, filhota. Não precisa andar por aí sempre como quem acabou de ver um mendigo sodomizar o seu poodle de estimação.

Noves fora, existe muito o que se gostar em Cisne Negro. O ritmo da narrativa acumula tensão de uma forma excelente, os elementos visuais (especialmente os truques com espelhos e as tomadas fechadas) batem bem e a trilha sonora faz o seu trabalho adimiravelmente, especialmente quando se considera que em boa parte da história a trilha é ouvida não só por nós mas pelo personagem durante a cena (para a alegria dos meta-linguísticos). Muitos dos sustos e choques funcionam e se acumulam para gerar uma ansiedade que raramente é produzida por um filme com tanto controle e eficiência. Quando a cenas confiam nos personagens e os deixam respirar, os atores mandam bem, transmitindo muito com pouco (os flashes de Nina em sua versão Sith são maravilhosamente intensos). E para o publico feminino, que geralmente teve sua fase de aulas de balé, os ganchos emocionais são compreensivelmente mais profundos.

Mas voltando ao básico, a principal falha do filme foi não confiar nos seus próprios pontos fortes. Caso em ponta: o uso de CGI. Exagerado, e para que? Portman tem presença de tela. Ela sabe passar seu estado de espírito em um segundo de silêncio. Não era necessário colocar flashes da pele dela tendo urticárias digitais (em tempo: que efeito especial ruim!) nem transformá-la em uma galinha preta de CG. Se fosse Keanu Reeves, eu entenderia: mesmo se ele usasse uma camiseta descrevendo seu atual status emocional, fosse convertido em um demônio através de CG e carregasse uma placa dizendo "Agora eu sou do mal", eu ainda teria dúvidas sobre o sentimento que ele estaria tentando projetar. Mas Portman? Poderiam ter guardado os US$ 5 milhões dos efeitos e confiado nela.

Nota sete.
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