quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A Tediosa Aventura Espírita

Quarta feira. Atendendo a meses de pedidos maternos insistentes, resolvo ir no centro espírita no qiarteirão ao lado. Minha mãe acredita que meu ex-sócio, que me garfou a editora que abri após sair da faculdade, também me colocou uma maldição ou mau-olhado por meio de um amigo pai-de-santo, e que isso é o que tem impedido minha ascensão pessoal a níveis Stevejobianos. Fim de tarde, um tempinho livre, por que não?

Chegando no local, muita gente de meia-idade, educada. Falo com a mulher no balcão pedindo 'orientação fraterna', segundo instruções maternas. Sou avisado que devo ser atendido às 19 horas. São 16:45.

Espera de duas horas já é um porre, mas exposto à musica do lugar o tempo equivale a umas três semanas. Acho que vi o ponteiro do relógio na parede andar pra trás só pra me foder: música de órgão com reverb no máximo para dar aquela acústica de catedral, consistindo de segurar uma nota de cada vez por 15 segundos cada.

Na falta total do que fazer, entrei na livraria local, que ocupa metade do salão de entrada. A maioria são livretos de 80 páginas, o que faz os preços de R$ 25 pra cima meio salgados. Tudo que é do Chico Xavier é mais caro, não importa o tamanho. Escrever 400 livros quando a maioria tem a espessura de um biscoito, até eu. Alguns destaques:

-Vencendo as Drogas: Atrás da capa benigna, revelações espantosas; a Aids é um presente divino pra impedir que as pessoas trepem e injetem de maneira desenfreada. E para punir hemofílicos e esposas de maridos infiéis, imagino. Além disso, o livro alerta para pessoas convidando para "noitadas" em "repúblicas estudandis", assim mesmo, com aspas.

-Pinga Fogo: Do guru máximo Chico Xavier. Impressiona pelo tom calmo com o qual diz barbaridades. Crianças que nascem doesntes ou com deficiência foram pecadoras em vidas passadas, e as deficiências tem a ver com seus pecados. Nasceu cego? Pecou com a vista. Nasceu com micropênis? Você matou mulheres com sua trolha descomunal em outra existência. Além disso, pobres foram ricos no passado e estão pagando pelo mau uso de seus bens. O que quer dizer que uma geração atrás havia 5 bilhões de milionários cuzões, que são os miseráveis atuais, e o ciclo vai se alternando. Todos os gráficos econômicos de longo prazo deviam ser em forma de montanha-russa.

-Ele Sabia! : Talves o mais nauseante dos que eu folheei, conta a história )baseada em 'fatos reais', claor) de uma criança de 6 anos cujo passatempo é dar lições de moral, na forma de discursos Fidelcastrianos de diversas páginas, para a sua mãe , que possui a desenvoltura mental de um hamster. Quando o pirralho adoece com uma doença incurável, fica mais feliz do que nunca, dizendo para todos que está indo para um mundo perfeito onde vai ser 1000 vezes mais saudável.

-Perguntas e respostas: Outro de Chico Xavier. Eutanásia é um crime porque precisamos sofrer até o fim para cumprir nossos desígnios sagrados e evoluir. Pela mesma lógica, aspirina e anestesia deveriam ser proibidos ou ao menos evitados pelos fiéis. Tragpedias e doenças são dádivas divinas que nos dão chance de perder nossas obsessões terrenas. Me ocorre que esse tipo de pensamento é pior que o de um escravo: tudo que acontece de bom é presente do seu superior, e tudo de ruim é culpa sua e é o que você merece. Exceto que o escravo pelo menos sabe quando está levando chibata e não finge estar ganhando cafunés.

No quesito de marketing setorial os livros espíritas estão com tudo: "Espiritismo para Militares", "Espiritismo para Hippies", "Espiritismo para Motoqueiros" (!) e por aí foi. apesar da reencarnação ser o quente da dourina, parece que todo autor tem um espírito que nunca reencarna: Lucius, Emmanuel, Irmão X, André Luis ficam eternamente no Além, ditando literatura para seus parceiros encarnados converterem motoqueiros e bichos-grilos, sem pressa de entrar em um útero e fazer mais um tour pelo mundo físico.


"...desde que você seja branco"

Seis meses depois (acho), finalmente sou chamado para minha orientação. Uma senhora sorridente e simpática me senta em uma sala separada, pergunta sobre minha vida, meu estado de espírito, coisa e ta. Respondo o que eu faço, minha história condensada desde o colegial, sabe como é, meio insatisfeito, tentando achar um caminho melhor.

Ela começa com elogios: "Mas você me parece muito sereno, muito seguro, inteligente, com boa cabeça. Até o fato de vir aqui mostra que você indentifica bem as coisas..."

Falo sobre o tal do 'serviço' que a minha mãe teme tenham encomendado para mim. "Isso geralmente não pega, mas o magnetismo ruim pode te afetar se você estiver vulnerável."

De repente, o jogo vira: "Estou vendo que você está meio desmotivado, insatisfeito, sem ter certeza do seu caminho". De fato ela está vendo isso, já que foi o que EU DISSE PARA ELA quatro minutos atrás. Ela recomenda uns cinco livros, todos à venda no andar de cima, e voltar para oito sessões, cada uma incluindo três palestras de vinte minutos cada e passes para 'doação de fluidos magnéticos'.

Nessa hora, minha boa vontade gastou. Estava lá havia três horas, duas das quais lendo subliteratura e pseudo-ciência. Disse que ia ver, agracedi e me despedi.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Amigo é Coisa pra se Perder

A primeira vez que tive que encarar, na real, que as coisas terminam e não voltam foi com um amigo de faculdade. Mais novo que eu, falante, popular. No domingo, estava na minha mesa de RPG (ele era popular obastante para ser nerd sem sofrer abalos de imagem). Na terça, estava morto, levado por uma infecção oportunista tão súbita quanto devastadora. O que me acordou (e me ensinou) não foi o choque, o velório, o caixão aberto. Na semana anterior, eu havia emprestado a ele um jogo de computador (pirata, comprado no infame e saudoso Stand Center da Avenida Paulista). Ao acordar no dia seguinte e ligar o meu PC, vi o ícone na área de trabalho e imediatamente pensei se ele tinha gostado ou não do jogo. Perceber que meu amigo nunca mais teria experiência ou opinião sobre nada, nunca mais, me atingiu com uma violência que até hoje, anos depois, faz meu pescoço formigar.

Isso é a morte, o fim, épico e banal na mesma medida: não ter mais amores nem coceiras, dores nem bocejos, ideias ou gripe. Mas a morte é ao menos natural. Aliás, não é não. Existe algo na entropia e na morte que é estranho e alienígena, mas isso fica para depois. A morte é...democrática. Temos ao menos a certeza que ela virá tanto para a nossa cara-metade quanto para aquele FDP virulento do serviço.

No fim, a única certeza é que todos à nossa volta passarão. Alguns levados pela morte, outros pela vida. Muitas vezes, são justamente as qualidades que fazem deles pessoas brilhantes que farão com que o mundo os leve para outras paragens . É egoísmo nosso, querer conservá-los, tê-los para sempre. Mas é também inevitável; sem eles, sobra pouco que faça de nós...nós.

Se é para pensar no que define uma pessoa, amigos é a melhor resposta que eu posso dar? Grana? Imprimem mais todos dia. Posses? Podem ser de alguém mais com uma simples transação. Filhos? Sem laços de empatia e afeto, não querem dizer muito: qualquer casal de mamíferos com o encanamento em ordem pode fazer crias às dúzias. Amigos de verdade, no entanto...

Apesar disso, a amizade é um coringa na nossa escala social de valores. Comemoramos aniversários de namoro e casamento, mas os amigos ficam sempre com um histórico nebuloso. Podemos chorar publicamente perder um emprego ou uma namorada, mas romper com um amigo e ficar mal é visto como um capricho hormonal reservado para adolescentes.

Amigos são a melhor prova que o mundo nos devolve de que existe algo em nós digno de admiração e respeito. Passar os genes adiante é um processo biológico. Passar você adiante, os seus valores, piadas, medos e gostos, pequenas humilhações e grandes triunfos, é um desafio. Não é a toa que tantos se deprimem e piram por não saberem se tem amigos de fato. Ou por saberem, com uma certeza apavorante, que não tem ninguém que se encaixe nessa descrição.

Por essas e todas as outras...obrigado, caras. Espero ter todos vocês por muito tempo ainda, mas na verdade, não importa. Vocês (que sabem quem são), como aqueles que já saíram da minha história por um motivo ou outro, já cumpriram sua parte. Foi um prazer e uma honra...até quando foi uma merda. Aliás, especialmente nestas horas.

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