segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Amigo é Coisa pra se Perder

A primeira vez que tive que encarar, na real, que as coisas terminam e não voltam foi com um amigo de faculdade. Mais novo que eu, falante, popular. No domingo, estava na minha mesa de RPG (ele era popular obastante para ser nerd sem sofrer abalos de imagem). Na terça, estava morto, levado por uma infecção oportunista tão súbita quanto devastadora. O que me acordou (e me ensinou) não foi o choque, o velório, o caixão aberto. Na semana anterior, eu havia emprestado a ele um jogo de computador (pirata, comprado no infame e saudoso Stand Center da Avenida Paulista). Ao acordar no dia seguinte e ligar o meu PC, vi o ícone na área de trabalho e imediatamente pensei se ele tinha gostado ou não do jogo. Perceber que meu amigo nunca mais teria experiência ou opinião sobre nada, nunca mais, me atingiu com uma violência que até hoje, anos depois, faz meu pescoço formigar.

Isso é a morte, o fim, épico e banal na mesma medida: não ter mais amores nem coceiras, dores nem bocejos, ideias ou gripe. Mas a morte é ao menos natural. Aliás, não é não. Existe algo na entropia e na morte que é estranho e alienígena, mas isso fica para depois. A morte é...democrática. Temos ao menos a certeza que ela virá tanto para a nossa cara-metade quanto para aquele FDP virulento do serviço.

No fim, a única certeza é que todos à nossa volta passarão. Alguns levados pela morte, outros pela vida. Muitas vezes, são justamente as qualidades que fazem deles pessoas brilhantes que farão com que o mundo os leve para outras paragens . É egoísmo nosso, querer conservá-los, tê-los para sempre. Mas é também inevitável; sem eles, sobra pouco que faça de nós...nós.

Se é para pensar no que define uma pessoa, amigos é a melhor resposta que eu posso dar? Grana? Imprimem mais todos dia. Posses? Podem ser de alguém mais com uma simples transação. Filhos? Sem laços de empatia e afeto, não querem dizer muito: qualquer casal de mamíferos com o encanamento em ordem pode fazer crias às dúzias. Amigos de verdade, no entanto...

Apesar disso, a amizade é um coringa na nossa escala social de valores. Comemoramos aniversários de namoro e casamento, mas os amigos ficam sempre com um histórico nebuloso. Podemos chorar publicamente perder um emprego ou uma namorada, mas romper com um amigo e ficar mal é visto como um capricho hormonal reservado para adolescentes.

Amigos são a melhor prova que o mundo nos devolve de que existe algo em nós digno de admiração e respeito. Passar os genes adiante é um processo biológico. Passar você adiante, os seus valores, piadas, medos e gostos, pequenas humilhações e grandes triunfos, é um desafio. Não é a toa que tantos se deprimem e piram por não saberem se tem amigos de fato. Ou por saberem, com uma certeza apavorante, que não tem ninguém que se encaixe nessa descrição.

Por essas e todas as outras...obrigado, caras. Espero ter todos vocês por muito tempo ainda, mas na verdade, não importa. Vocês (que sabem quem são), como aqueles que já saíram da minha história por um motivo ou outro, já cumpriram sua parte. Foi um prazer e uma honra...até quando foi uma merda. Aliás, especialmente nestas horas.

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